domingo, 23 de agosto de 2015

Equilátero: Capítulo 5: Omni Ferus

Equilátero: Redenção de Cal Rasen


Capítulo 5: Omni Ferus

O dia amanhecia em Alberta e o comércio acontecia como sempre, enquanto as pessoas andavam pela cidade sem a menor preocupação. Aventureiros pipocavam, alguns querendo acessar os países no continente a leste, outros procurando desafios como a Torre Sem Fim. O dia parecia bastante normal para os comerciantes da cidade.

Foi quando uma sombra pairou sobre a área em que se encontrava a Guilda dos Mercadores. Pouco a pouco, as pessoas começaram a olhar para aquele ser, aparentemente flutuando a vários metros de altura sobre um disco de metal, que bloqueava o Sol acima dos espectadores. Seu olhar sanguinário e seu sorriso incendiário davam a entender que algo muito ruim estava para acontecer.

Foi quando este homem saltou para trás, num backflip, do seu transporte e olhou em direção ao prédio abaixo dele enquanto instantaneamente apontava ambas as mãos para o local.

- Mamãe, o que o homem preto vai fazer? - Perguntou a criança ao lado de sua mãe.

E a aberração disparou uma enorme esfera branca de eletricidade, com tamanha força que o disparo o impulsionou novamente para o alto. O ataque, um imenso Trovão de Júpiter, se abateu sobre a Guilda dos Mercadores, causando uma grande explosão, disparando fumaça e destroços voando para todo lado. Os espectadores foram arremessados pela onda de choque seguinte, tamanha a violência do impacto. O destruidor então, ao som de uma risada maníaca enquanto a poeira dos escombros baixava, bradou:

- Sim. Esse poder... Era justamente esse poder que eu precisava! ESSE PODER SERÁ O FIM DE CAL RASEN!!!

O ser negro era ninguém menos que Omni Ferus, agora usufruindo dos poderes de Merjön Rasen, roubados durante o confronto em El Mes. 

Ferus não conseguia conter sua felicidade, a forte sensação de poder proporcionada por aquela demonstração. Era como se ele estivesse chapado de ácido, ou de alguma droga que o fizesse se sentir como o dono do mundo. E talvez, de certa forma, ele tivesse se tornado o dono do mundo, agora que possuía poderes de mais de um membro da família Rasen. 

Assim, ele sumia nos céus deixando a população de Alberta em pânico, com pessoas desesperadas em busca de sobreviventes naquele pandemônio gerado pelo Construto.




Barracão da Chama Prateada, 26 de Fevereiro de 2011, 9:30 da manhã.


Uma semana havia se passado desde os eventos ocorridos com Valna. Cal mais uma vez olhava do telhado do Barracão para o oceano. Sua mente agora estava cheia de dúvidas. Porque Ferus não apareceu pessoalmente para lidar com ele? Porque ele quis atacar Irma e Zy ao invés de vir diretamente a Cal com o seu aparente novo poder?

- Tem que haver alguma lógica por trás disso, Ferus. O que você está armando? - Se perguntava ele, enquanto Johan aparecia por trás dele, com uma cara de poucos amigos. Cal foi rápido para notar a presença do Mercenário.

- Sabotaram alguma coisa na base da Sigma de novo? - Perguntou Cal ao perceber o humor funesto de Johan.

- Não, começaram a demolir sedes de guildas.

A resposta de Johan deixou Cal confuso. Foi quando Johan tirou o que aparentava ser uma tela de bolso, que Cal reconhecia como um "smartphone", e colocou um vídeo para passar naquela tela.

- Aconteceu essa manhã. Pessoas avistaram o Ferus flutuando sobre a Guilda dos Mercadores... - E então a câmera, aparentemente de um dos espectadores, mostrava Ferus realizando o espetacular salto que resultou na demolição da Guilda dos Mercadores. - ...E ele simplesmente detonou o lugar num único Trovão de Júpiter.

- Meu Deus... - Exclamou Cal, sem saber se demonstrava surpresa ou pavor. - Ele surtou de vez.

- Mais do que surtou. - Continuou Johan, que então abriu novos vídeos para Cal assistir. - Ferus não parou em Alberta. Ele passou por Payon e então Geffen, deixando estragos na Guilda dos Arqueiros e depois a dos Magos.

- Espera, a Keyron deveria estar em Geffen, não tem como o Ferus simplesmente... - Cal foi prontamente interrompido por Johan.

- Ferus simplesmente atacou de surpresa, ninguém viu ele disparar o ataque na torre. Mas ela é boa, se quer saber, os Magos da Guilda estão bem.

- Dá ao menos pra dizer se o Ernst ou seja lá quem diabos tá cuidando de Prontera tomou ciência disso? - Reagiu Cal.

- Na verdade... Já estão cientes. E vários grupos chegaram ao consenso de que você deveria aparecer na assembleia de emergência que está pra acontecer em Prontera. - Respondeu Johan.

Cal manteve o olhar sério focado no vazio por alguns segundos. Embora ele não quisesse presumir nada, ele já tinha certeza do que Ferus realmente queria com aqueles ataques.

Ele queria a cabeça de Cal.




Castelo de Prontera, 1:30 da tarde.

Num imenso salão estava em sessão uma corte. Pessoas de todo o continente estavam reunidas para discutir apenas uma coisa:  Ao longo da manhã, foram destruídas as sedes das guildas dos Mercadores em Alberta, dos Magos em Geffen e dos Arqueiros em Payon.

A população estava extremamente alarmada e sem saber o que fazer, enquanto a Cavalaria de Prontera nunca tinha visto nada parecido e tudo era atribuído a apenas uma pessoa. Um homem de pele preta como um ônix, que muitos reconheciam pela alcunha de Omni Ferus.

Conforme Cal entrava no local, ele via que todas as guildas, com seus representantes máximos, estavam ali reunídos. Os Seis Grandes, inclusive, deram as caras, dada a situação. Seyren apenas notava o Cavaleiro entrando enquanto a discussão prosseguia.

- Isso já chegou ao limite. - Disse o Regente Lans, olhando para os dados enviados pela Organização VII sobre Omni Ferus. - Este ser já tentou me matar, como vocês ainda o deixam vivo?

Do outro lado, um outro grupo estava isolado. Um deles era um Lorde, com uma cicatriz raspando o olho esquerdo, longos cabelos louros e olhos verdes. Siegfried, com seu clã Schwarzwind, observava calmamente o debate ali. Ao seu lado, uma Lady ruiva, de armadura de corpo inteiro, chamou sua atenção:

- Sieg, isso só pode ser loucura! Você mesmo sabe quanto poder aquela besta possui.

- Hilde, isso não é uma situação para a Guarda Continental resolver. É muita estupidez da parte deles ainda não terem percebido isso. - Siegfried então olhou para o Cavaleiro, que havia acabado de chegar. - Mas eu sei de quem essa criatura está atrás. Cal Rasen tem uma chance de acabar com isso. Me pergunto se ele vai querer fazer isso sozinho.

- Não contaria com isso... - Disse Hilde, olhando para o assunto da conversa.

- Apenas assista. - Siegfried mantinha seu olhar calmo pelo local.

Siegfried sabia que a situação era extremamente séria, mas também sabia que Omni Ferus era uma conta exclusivamente daquele outro guerreiro. Ele conhecia Cal bem, de alguns eventos em sua jornada em 1009, tal como outros eventos posteriores.

- Muito bem, vamos simplesmente acionar a Guarda Continental e os melhores guerreiros que cada guilda tiver. É simples assim. - Bravejou Lans, embora seu discurso tenha sido interrompido por Kerd, perto da entrada do hall.

- Ótima ideia, aproveita e deixe que Morroc consiga arrebentar o perímetro mágico que custou sete mil vidas em 1009. - Falou sarcasticamente. - Vocês não tem força para segurar Morroc ali, que dirá lidar com um ser furioso desses!

Em outra parte do hall, um Desordeiro de cabelos azuis também assistia a cena, próximo a uma Lady de cabelos louros.

- Palhaçada. - Disse o Desordeiro. - Eu sei lá quem é o Omni Ferus que eles falam, mas chamar a Guarda Continental pra cima quando eles já sabem quem esse cara quer matar é ridículo. Cal Rasen não veio aqui à toa, eu aposto.

- Espera, Bakhur, você conhece o Cal? - Perguntou a Lady, fitando o Desordeiro.

- A gente teve nossa aventura menos de um ano e meio atrás. Ele foi a Moscóvia atrás do líder de um culto de malucos. - Disse Bakhur, que então passou a olhar para o centro do hall, uma vez que o Cavaleiro ali presente levantou sua voz.

- O lance é que ele quer a mim. - A voz de Cal ecoou pelo hall inteiro. - Kerd está certo, a Guarda Continental mal dá cabo do selo que eles criaram pra manter Morroc nas proximidades da Fenda Dimensional, seus melhores caras realmente não dão cabo do Ferus.

Todas as pessoas que conheciam ou chegaram a conhecer Rasen estavam ali, incluindo ex-membros da Ordem do Trovão e alguns membros da VII. Inúmeras pessoas com quem o Cavaleiro cruzou caminhos ao longo de sua grande estrada e agora lhes davam ouvidos. O general se calou e começou a prestar atenção nele, notando que líderes dos principais grupos também o olhavam.

- Ele foi feito com o meu sangue, lutou com as minhas habilidades e causou caos pelo planeta. Mas sabe quem esteve lá para frear ele em todas as vezes? Eu estive. Tem sido MINHA OBRIGAÇÃO nesses quase dois anos perseguir Ferus até o fim do mundo se eu precisasse. Então, se vão lançar uma ofensiva gigante contra ele, quero ao menos ter o direito de ter minha luta com ele.

- Você sabe exatamente o nível de Ferus agora, Cal? - Era a voz de Eremes Guile, no topo da sala. - Demolir sedes de Guildas em um ataque só não é um feito pra muitos.

- Não interessa! Já era hora de eu acabar com isso e pelo que eu sei ele vai continuar destruindo tudo enquanto não me achar. Ou eu encerro isso hoje, ou mais gente vai morrer nessa cruzada dele. - Foi a resposta de Cal.

O silêncio se abateu pela sala por alguns segundos. Lans podia notar o olhar extremamente determinado daquele homem.

- Eu preciso acabar com isso pessoalmente. É o único jeito. - Continuou Cal.

- Você tem a sua chance. Mas é bom saber que será o responsável, se por acaso conseguir piorar a nossa situação. – Respondeu de volta num tom frio.

Os outros, porém, começavam a olhar o Cavaleiro como se aquela fosse a última chance de vê-lo com vida. Naquele canto, porém, a garota que estava com o Desordeiro de cabelo azul simplesmente não conseguia ficar parada, olhando aquilo.

- Freya, aonde você tá indo? - Indagou Bakhur, mas a menina não se virou para responder, ao invés continuando na direção da saída do castelo. Bakhur também podia ver Cal indo pela mesma saída, um tanto quanto adiante dela. - Mas que maravilha de dia.

Cal deu as costas ao local e se dirigiu à saída do Castelo, deixando as pessoas ali presentes para trás. Ao sair, uma pessoa o parou. - Cal!

Cal se virou naquele momento pra reconhecer a garota de cabelos louros e olhos de cores diferentes correndo em sua direção. Ela parou a um metro do Cavaleiro, quase ofegante. Não demorou cinco segundos pra que ela retomasse o fôlego. - O que você pensa que está fazendo?

- Dando um fim num problema que eu mesmo criei. - Respondeu Cal.
 
Cal e Freya se conheciam de diversos eventos. A menina de quinze anos já havia sido a Papisa de Rachel até que Leafar havia tirado ela de lá, três anos antes. Desde então, ela havia se tornado a protegia de Leafar, tal como Irma era a protegida de Cal. Cal podia sentir essa conexão entre ela e Leafar ao vê-la, especialmente na forma como agora, dois anos depois da morte de Leafar, ela agora seguia o estilo de combate dele, atuando como uma Lady ao invés de uma Suma Sacerdotisa, classe para a qual ela havia sido originalmente treinada.

- Você pode acabar morto! - Exclamou a garota, desesperada.

- É, tem essa possibilidade. - Respondeu Cal, muito para o desgosto de Freya.

- Como pode simplesmente dizer isso como se sua vida não importasse? - Foi a resposta da garota. - Você não parou pra pensar nas pessoas que vai deixar pra trás? Ou por acaso você quer morrer mesmo?

Cal notava a expressão no rosto da garota. Ele sabia porque essa expressão preocupada estava ali. Ele entendia que ela estava falando isso por causa do que aconteceu com Leafar. Era simples assim.

Naquele instante, Cal parou para pensar no que havia atravessado, reparando numa estranha ironia: como sua jornada tinha elementos fortemente similares aos da vida de Leafar. Ambos foram clonados e seus clones enlouqueceram; ambos criaram laços emocionais com uma pessoa desamparada; e agora Cal estava justamente fazendo a mesma coisa que ele fez ao final de sua vida, indo para uma luta de onde ele não tinha certeza se sairia vivo.

- Cal... Você tem alguém por quem lutar? - A pergunta repentina de Freya fez Cal olhar fixamente para ela.

- Engraçado. - Cal olhou para o lado e então de volta para Freya. - De alguma forma, não consigo olhar pra você e não ver a Irma. Há muito em comum entre vocês duas.

Freya lembrava daquele nome. Era a garota com quem Cal estava andando um ano e meio antes, quando os dois se encontraram em Rachel.

- Você me lembra ela na forma como você dependia do Leafar pra se sentir segura. Não sei dizer direito. Penso que você era pro Leafar o que a Irma é pra mim: família. No mais, se queria saber se eu vivo pra proteger alguém, é ela.

Os dois ficaram parados por um minuto ali, sem dizer mais nada. Mesmo que os dois não tivessem uma amizade ativa, Cal conseguia sentir uma espécie de conexão com Freya. Sua experiência com Irma dava a ele a sensação de que ele pudesse entender a garota.

E então, por um momento, Cal lembrou de seu encontro com Leonard, apenas dois meses antes. Uma busca por respostas frustrada pelo próprio Leonard, que dispensou suas questões como se ele tivesse a resposta universal de tudo. Mas se as respostas de Leonard naquele dia eram reais, porque Cal ainda tinha problemas em aceitar a resposta? E ainda assim, ao invés de dizer qualquer coisa, ele permaneceu mudo diante de Freya.

E então o momento foi interrompido. Uma garota de cabelos castanhos passou desesperada pela porta do castelo, correndo até o Cavaleiro o abraçando com força.

- Cal, por favor, não faça isso! Por tudo o que você tem aqui! - Irma chorava desesperada enquanto ele não sabia como responder a aquilo. O que fazer quanto a isso?

Freya via a cena, apenas prestando atenção na situação diante dela. Na resposta que Cal havia dado apenas minutos antes. E então percebeu o quão sozinha se sentia nos últimos dois anos.

- Precisa ser forte, independente do que acontecer. Não poderá lutar pelas pessoas que você gosta se ficar travada com esses pensamentos. Eu vou estar aqui de um jeito ou de outro. Confie em mim. - Disse Cal a Irma. Ele então se voltou para a loura. - E Freya. Se eu por acaso sobreviver a isso tudo. Se tiver algum problema, me procure. Entendido?

- Eu acho que sim... - Respondeu a garota, ainda notando que Irma permanecia praticamente agarrada a Cal.

Ao conseguir fazer com que Irma finalmente lhe soltasse, Cal acenou mais uma vez para as duas e deu meia-volta, e saiu andando em direção ao centro da cidade. Johan chegava ao lado de Irma e via o Cavaleiro partindo em direção à imensidão de Prontera, olhando sempre para o noroeste.

Do lado de Freya, era Bakhur quem aparecia, olhando fixamente para ela. Ela permaneceu calada por um momento, apenas olhando para a garota se apoiando no Mercenário à sua frente, e então finalmente dirigiu a palavra a ele. - ...Você sequer quis falar com ele.

- Não tenho muito o que conversar com ele. - Disse Bakhur. - Mas acho que você tinha o que conversar.

Ela fechou os punhos. Engoliu seco por um momento. Ficou pensando na conversa que tinha acabado de ter com o Cavaleiro. - ...Eu era especial para ele? Para o...?

- Eu não faço a menor ideia. - Respondeu Bakhur num tom sério. Era como se ele tivesse sua própria situação em sua mente naquele momento. Freya notou rapidamente a forma como a mente dele saiu do ar.

- Bakhur, você está bem? - Indagou a garota.

- Vou estar. E eu acho que o Cal também vai estar. Já vi ele lutando, ele é maluco o bastante pra sobreviver ao impossível na minha opinião. - Respondeu, desviando a atenção da menina. Bakhur prontamente se virou, chamando Freya para acompanhá-lo.

Mas conforme os dois saíam andando da área do Castelo de Prontera, ele mesmo não conseguia parar de pensar na situação em que ele tinha finalmente esbarrado no mês anterior. Uma situação que ele não estava disposto a contar para Freya.

Enquanto isso, Cal agora seguia para o portão oeste da cidade, caminhando para o que poderia ser sua batalha final com Omni Ferus. E ele parecia bem decidido sobre o assunto.

- Ferus, me aguarde. Vamos acabar com isso logo.

OFF



Bem, demorou, mas eu finalmente consegui engrenar esse capítulo. Eu substituí a cena original, que implicava que Cal estava conversando com o Leafar Clone, e troquei por uma que faz muito mais sentido no contexto da história do Blitzritter.

Bem, com isso, as cenas vão andar um pouco mais rápido agora, só tenho apenas mais uma cena a refazer do zero, enquanto eu vou revampando outras ao longo da segunda metade da fic.

Isso deverá ficar mais interessante.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Viridis: Capítulo 1: Selena

11 de Fevereiro de 1013, Savana de Ida, área do Aeroporto.

O Aeroporto de Arunafeltz ficava pouco a leste da cidade de Rachel, já adentrando a Savana de Ida. O Aeroporto tinha que ser constantemente protegido por guardas, devido ao local se situar numa área onde residiam Roweens, suricates velozes, fortes e extremamente territoriais, que compõem uma parte da fauna de Arunafeltz, e Anopheles, enxames de insetos que coagiam entre si de forma a obter alimento de animais azarados o bastante para perderem um confronto com eles.

Andando calmamente entre os aventureiros que se dispunham a caçar os Roweens, seja para um serviço do Grupo Eden ou meramente por treinamento, Cal estava se dirigindo ao Aeroporto para pegar seu rumo de volta a Izlude, onde se encontrava a base de seu grupo, a Thurisaz.

Na mente de Cal, apenas a imagem daquela foto que Johan havia lhe mostrado dias atrás, de uma menina de cabelos castanhos extremamente similar a Freya Belmont em todos os detalhes - inclusive os olhos de cores diferentes - ocupava um espaço significante. Nos dias anteriores, Cal foi praticamente incapaz de tirar aquela imagem da cabeça.

Ao chegar ao Aeroporto, ele foi recebido por duas garotas. Uma delas, de cabelos e olhos castanhos, trajando um vestido de cor vermelha, facilmente notável pelas mangas destacadas e gravata; a outra, de cabelos pretos, camisa branca, gravata preta. Os olhos castanhos brilharam ao ver o Cavaleiro Rúnico subindo as escadas do aeroporto.

Aquelas eram, respectivamente, Irma Aloisius e Eva Heins. Uma era a irmã adotada de Cal e a outra era sua namorada. E eram as pessoas mais próximas dele. Cal não ficou surpreso quando uma delas correu para abraçá-lo. - Cal!

- Hey, bom ver vocês de novo. - Disse Cal, se soltando do abraço de Eva. - Talvez tenha sido uma boa coisa o Johan aparecer; eu tava começando a pirar naquele vulcão.

- Cal, o que exatamente está acontecendo? - Foi a vez de Irma falar. - Eu entendo porque você sumiu pra treinar dessa vez, mas de repente você decide que vai voltar à atividade na Thurisaz. Você encontrou com o Leafar de novo, por acaso?

Irma sabia que era preciso alguma coisa forte para tirar o Cal de sua rotina. A aposta dela era algo que novamente envolvesse Leafar, tal como aconteceu diversas vezes em 1011, e mais uma vez três meses antes, em um outro evento em 1012.

- Bem, sobre isso... É, aconteceu alguma coisa, sim. O Leafar tem envolvimento nisso, mas dessa vez sou eu quem vai arrastar ele pro tornado.

Eva tomou a palavra. E já havia notado a diferença no olhar dele. - Espera. Cal, como assim, está envolvendo o Leafar nisso? Eu pensei que ele tivesse dito que estava querendo se afastar de tudo o que conhecia em Rune-Midgard.

- Pois é. O lance é que surgiu uma coisa. Um alguém. - Respondeu Cal.

- Que tipo de alguém? - Reagiu Eva, agora com um tom mais sério.

Cal deu um sorriso sarcástico, olhou para o lado, e então de volta para as duas. - Pelo que parece, outra Valquíria.

Os olhares e expressões das duas congelaram diante da resposta de Cal. Estavam descrentes do que haviam acabado de ouvir. Cal ainda acrescentou, para o choque das duas.

- E pra completar a piada, ela é quase idêntica à Freya.




Introdução normal: So Fast, So Numb - REM



Viridis

Capítulo 1: Selena


Era novamente o mesmo sonho. O mesmo mundo bizarro. A mesma Valquíria aparecendo diante dela. O mesmo ataque rasante na direção da garota. Mas alguma coisa estava diferente naquele sonho também.

Tão logo a Valquíria avançou sobre ela, ela se viu em um novo plano. E então, como monitores de televisão recebendo interferência de algum sinal de rádio, ela via fantasmas passado ao redor dela. A interferência foi ficando cada vez mais forte, o som cada vez mais alto, quase como se quisesse furar seus ouvidos. Até que parou.

E ela agora se via pisando sobre o que parecia ser um mar de luzes num ambiente negro. À frente dela, os mesmos dois Cavaleiros de seus outros sonhos. Dessa vez, ela não estava com medo. Ela queria respostas.

- O que vocês querem de mim? - Indagou a garota, em voz alta.

Os dois começaram a caminhar na direção dela. Finalmente aqueles dois seres mostravam uma aparência que ela conseguia distinguir. Não haviam cores, mas suas formas, seus traços eram claramente visíveis. Um deles, de cabelos escorridos, trajando uma jaqueta comprida, com uma camiseta e jeans, tinha seu corpo composto de uma luz azul. O outro, usando o que certamente era a armadura de um Cavaleiro Rúnico, com cristais nos ombros, tinha cabelos repartidos no meio, semi-compridos, e um olhar determinado, com seu corpo feito de luz verde. Ambos não aparentavam estar acima dos 25 anos de idade. A garota podia notar a espada de cristal nas costas daquele homem de armadura.

Esses dois passaram por ela sem dizer nada, até que finalmente a mesma Valquíria apareceu de novo, emergindo do mar de luz. E pela primeira vez, a garota caminhou na direção dela.

Era finalmente possível ver através da luz, a sua aparência, as cores de seus olhos, um vermelho e outro azul. A garota estava assustada, especialmente ao notar que a Valquíria era quase uma cópia carbônica dela em aparência, não fosse os cabelos louros.

- Você tem um legado a cumprir. - Disse a Valquíria.

- Mas que legado? - Indagou a garota, assustada. - Eu não consigo entender! Porque apenas eu tenho esses sonhos? Porque eles estão piorando a cada dia?

Tão logo a garota fez sua questão, a Valquíria começou a emitir uma luz forte. Esta luz começou a engolir todo o ambiente ao redor e, eventualmente, a garota, que agora estava ainda mais confusa.

- Esta é a sua escolha a ser feita. Você precisa decidir o que fazer agora, Selena. - Disse a Valquíria, conforme a luz finalmente a tragava.

E por alguns segundos, ela ouviu a voz chamando seu próprio nome em um eco,
até que sua mente fosse finalmente trazida de volta ao mundo real, e a voz da Valquíria se transformasse numa voz humana que ela podia facilmente reconhecer.

- Selena!

Ela finalmente acordou. Mas não era a calada da noite. Ou mesmo seu quarto. Ou sequer era um ambiente perfeitamente quieto. Ela estava em uma sala de aula. Quase ao final da manhã. Com os alunos e a professora ao seu redor.

Seu torso automaticamente se ejetou da carteira de volta a posição ereta, seus olhos girando ao redor e prestando atenção na situação ao redor. A professora que a chamou conseguiu voltar toda a atenção da sala de aula para Selena.

- Só porque o diretor da Academia Rodworth cuida de seu bem-estar, não lhe dá o direito de dormir na sala de aula, mocinha. - Bradou furiosa a senhora de meia-idade.

De fato, ela não estudava em qualquer escola. Bastava ver os uniformes, camisas brancas, gravatas listradas vermelhas, as meninas usando saias xadrez com vermelho como a cor principal.

- Sinto muito, Senhora Miller, eu tenho tido problemas pra dormir ultimamente. - Respondeu Selena, na única reação que ela poderia dar sem aumentar o constrangimento daquele momento.

Na carteira à direita de Selena, outra garota parecia apenas assistir a situação da menina de catorze anos.  Cabelos ruivos, num vermelho flamejante, repartidos quase diagonalmente, deixando uma franja descer pelo lado esquerdo do rosto, olhos castanhos fortes. Permanecia quieta enquanto a adolescente a seu lado se desculpava com a professora.

- Muito bem, mocinha. Eu vou deixar passar apenas desta vez. Mas teremos uma conversa ao final desta aula. - Disse a professora, num tom cauteloso.

Selena levantou as mãos ao rosto por alguns segundos, ainda recobrando a consciência, e então voltou a se focar na sua carteira. "Okay, Selena. Só mais uma sessão imbecil desse sonho.", ela pensava.


Uma hora se passou e a aula acabou. Selena tinha acabado de levar um sermão da professora Miller. Não era surpresa para ela. A menina tinha boas notas em média, mas sua média estava começando a cair, graças às recentes noites mal dormidas causadas pelo mesmo sonho.

A garota agora se encontrava nos armários da escola, alheia ao mundo passando ao redor dela. Guardou seu material, fechou o armário. Deixou a testa pairar sobre a porta de metal, quase inerte. Afrouxou a gravata e ficou parada ali, por alguns minutos. E então uma pessoa parou ao lado dela, a mesma garota ruiva da sala de aula.

- Parabéns, Selena. A terceira ocorrência dessa cena em uma semana. - Disse a ruiva, encostando no seu próprio armário com o ombro direito e com os braços cruzados. Selena finalmente se virou para falar com ela. - Aquele sonho de novo? O padrão já tá ficando chato.


- Mia, eu não acho que estou em condição de discutir isso. - Respondeu Selena.

Mia LeFevre era basicamente a única pessoa com quem Selena andava. Desde que ela foi admitida no colégio, três anos antes, quando foi acolhida pelo diretor Rodney, Mia foi basicamente uma das poucas amizades que Selena fez e manteve.

O que gerava reputação, pois Mia não era exatamente conhecida entre alunos, de qualquer sexo, por ser uma pessoa "feminina". Ela não era gay, mas certamente agia muito mais como um garoto do que alguns garotos da mesma classe. Um interessante contraste a Selena, uma dócil menina... Que tentava se virar sozinha a todo custo.

- Tá, e quando vai começar a discutir isso, Selena? - Argumentou Mia. - Quando você finalmente entrar em estado de total insônia? Você ao menos tentou processar o significado dessa bizarrice?

- Não é isso, é só... - Ela estava tendo problemas em encontrar as palavras certas. - ...Tá ficando cada vez mais difícil tirar essa porcaria da cabeça.

Os sonhos não eram novidade para nenhuma das duas. Haviam começado cerca de um ano antes, primeiro como cenas quase ininteligíveis, e então ganhando forma e identidade. No começo, era apenas uma vez por mês, então começou a ser uma vez por semana... E atualmente ela tinha esse tipo de sonho noite sim, noite não. E agora com cada vez mais detalhes novos.

E alguns desses novos detalhes incomodavam. Selena via pessoas que ela nunca havia encontrado na vida, dentre elas, dois homens, Cavaleiros Rúnicos de cabelos claros, cuja cor era ofuscada pela luz emanando deles. Seus sonhos também sempre envolviam a aparição de uma Valquíria, que ao final voava na direção dela. Esses detalhes viviam fincados na mente da garota.

- Escuta... Lembra daqueles retratos falados que você tentou no outro dia? - Disse Mia, finalmente abrindo seu armário e pegando algumas fotos dele. - As pessoas com o perfil desses retratos existem.

Mia mostrou a Selena fotos impressas de ditas pessoas. O Cavaleiro do sonho era um jovem louro de olhos castanhos. Estava trajando uma armadura similar à do sonho, de tom metálico com cristais verdes. O outro, também louro, de olhos verdes, era amplamente conhecido em Geffen... Ou qualquer canto de Rune-Midgard. Selena imediatamente pegou as fotos da mão de Mia e começou a olhar fixamente para elas.

- É aí que vem a parte engraçada. O do olho verde é Leafar Belmont... Mas ele está morto já tem uns três meses. - Disse Mia, se recostando no armário. - O outro... Digamos que eu tenho acompanhado o circo dele no ano passado. Ele se chama Cal Rasen, é líder do clã que tem fornecido tecnologia ao Reino do ano retrasado pra cá. E tem adquirido um bocado de reputação nesse tempo. Ah sim, esse ainda está vivo, pelo que fiquei sabendo.

- Tem alguma coisa me dizendo que eu não deveria ter certeza sobre a parte de ele estar morto. - Disse Selena, no que dizia respeito a Leafar. Não era novidade a história de que ele havia morrido. - Quer dizer, não é nem a primeira vez que eu ouço essa história de "Leafar está morto". Não era assim até o começo do ano retrasado?

- Não me diga que você passou a acreditar naquelas lendas urbanas que meia dúzia de drogados tem falado. - Respondeu Mia ao argumento da jovem de cabelos castanhos.

- Olha só, se não é a queridinha do diretor.

A nova voz veio do corredor, alguns metros mais adiante. A menina de uniforme ali, desafiadora, de cabelos castanhos, olhos verdes, e aparentava estar ligeiramente acima do peso. Selena tinha má fama por ter sido, de certa forma, "adotada" pelo diretor Rodney, que a inseriu no colégio. Isso não apenas havia tornado os últimos três anos difíceis para ela, como forçava Mia a interferir em cada luta que metiam ela.

- E veio acompanhada de... "seu cavaleiro"? - Disse a mesma garota, desdenhando Mia. A ruiva imediatamente se prontificou a quase avançar para cima da jovem com o punho em riste, sendo parada por Selena.

- Você não vai poder ser identificada como mulher quando eu terminar com a sua cara! - Exclamava Mia, que queria a todo custo passar por Selena para atacar a recém-chegada.

- Porque vai frear a sua namorada, Selena? Ela pode fazer perfeitamente o trabalho de defender você. - Adicionou a garota. Foi o suficiente para Selena se virar, furiosa.

- Eu não preciso da Mia pra arrebentar a sua cara! - A resposta rápida e estúpida de Selena finalmente chamou a atenção das pessoas ao redor.

- Isso é um desafio? Porque você não me soa muito como um desafio. - Respondeu a garota. Mia finalmente levou a mão direita ao rosto em resposta ao que aparentava ser uma idiotice da parte de Selena. - Depois da escola, então. Pode ser na frente do portão mesmo.

A garota então saiu andando, confiante. - Você é minha, Selena.

Conforme a garota se afastava, o ânimo de Selena caía para desespero, agora que ela iria ter que enfrentar uma valentona para provar seu ponto. Mia finalmente tirou a mão de seu rosto e questionou a garota. - Então, pra quem tava tentando me impedir de entrar numa briga no meio desse corredor, você simplesmente conseguiu um espetáculo maior.

- Eu sei... - Disse Selena enquanto ela se deixava deslizar ao chão, com as duas mãos no rosto e uma expressão que claramente mostrava que ela estava se perguntando o que havia acabado de fazer.

- Tá legal, vamos andando. - Mia chamou novamente a atenção de Selena. - A gente pode resolver o lance das fotos depois, primeiro precisamos garantir que você saia viva dessa treta.





Base da Thurisaz, Izlude, 12:35.

Cal, Irma e Eva estavam finalmente de volta de Arunafeltz. Para as duas, foi apenas uma viagem rápida, mas para Cal, fazia meses que ele não via a cor de sua casa, a Arena de Izlude, que acabaria sendo convertida na base de seu clã.

O trio mal entrou no castelo e foi recebido no saguão por um Sicário, magro de cabelos castanhos lisos, uma franja escondendo o olho esquerdo. Estava encostado na parede, observando calmamente o ambiente, até que viu o Blitzritter chegando.

- Bem, se não é o cara que vai treinar sozinho toda vez que um amigo some do mapa. - Disse o Sicário. - Decidiu voltar e ficar em casa?

- Ainda bem que não foi em você que eu coloquei a pressão de liderar o clã. - Respondeu Cal. - Mas então, Takashi, Johan tem feito um trabalho que preste?

Takashi Ishikawa era o nome do Sicário. Um guerreiro de Amatsu que não possuía memórias de seu passado após transcender, vivia entre os serviços para a Ordem dos Assassinos, seu trabalhos para o mercador Karl Glassard, e as atividades da Thurisaz. Analítico ao extremo, sempre foi altamente observador do comportamento de Cal, especialmente depois de seu rompante onde saiu à caça de Leafar Belmont. Isso quase o motivou a deixar o clã na época.

- Tem segurado as pontas. - Respondeu Takashi. - Mas eu acho que você já tem uma pergunta pronta. Sim, ele chegou.

Takashi se referia ao fato de que Cal esperava que Leafar viesse até sua base. Não que houvesse um lugar melhor para estacionar; Cal estava ciente de que Leafar estava evitando a cidade de Geffen no momento, devido a ser amplamente conhecido na cidade.

Após mais alguma conversa, Cal se dirigiu sozinho à nova área de lazer que ele havia montado para essas ocasiões. Era logo após o lobby da base, numa entrada diretamente ao norte.

Lá, ele podia encontrar o Dragão louro, recostado calmamente em um dos sofás, com a cabeça voltada para o alto e de olhos fechados. - Normalmente você diria esperar ter um bom motivo pra eu te arrastar de volta pra cá, mas eu acho que você já viu aquela foto, não foi?

Leafar abriu os olhos e os virou para a direita, notando Cal. Depois de uma rápida espreguiçada, ele se levantou e se virou para o Cavaleiro do Relâmpago. - A Irma tinha razão, seu cabelo tá mesmo piorando.

Isso era uma referência ao fato de que o cabelo de Cal estava ainda maior que antes, agora com a franja repartida quase cobrindo os lados do rosto e seu cabelo passando da nuca.

- Podia ser pior, eu poderia estar usando óculos com lente de tinta colorida. - Retrucou Cal, notando o óculos escuro pendurado na camiseta que ele vestia por baixo daquela jaqueta azul.

Os dois trocaram olhares afiados por um momento e finalmente se cumprimentaram, apertando a mão um do outro. Era o primeiro encontro dos dois em meses. Em uma situação normal, Leafar recusaria o chamado de primeira, devido a querer evitar Rune-Midgard. Mas aquele era um caso especial.

Não era todo dia que uma pessoa com extrema similaridade a Freya Belmont aparecia nos arredores. E ele e Cal estavam interessados em saber o que estava acontecendo.


OFF




Bem, agora Viridis começa. Devem ter notado a diferença de ares entre os ambientes de Selena (uma escola cara) e de Cal (a costumeira base da Thurisaz). Era um plano desde que eu comecei a idealizar o Projeto Eir, uma garota aparentemente comum vivendo normalmente, e então o mundo dela virando ao contrário.

Mais futuramente, com o avançar da fic, eu vou explicar o que fez Leafar se afastar de Rune-Midgard ao final de 1012, bem como o que motivou Cal a entrar em treinamento pesado.

Se preparem, o Projeto Eir mal começou.