Equilátero: Redenção de Cal Rasen
Capítulo 4: Família
-Hoje, decidiremos se a Família Atros sobrevive ou não.
Transformados em semi-Atroce, Valna e Palace avançaram um contra o outro, um portando a espada do outro. Valna recebeu de propósito o Impacto de Tyr que seu irmão desferiu, atravessando a parede com o impacto do ataque. O Legionário foi arremessado para uma enorme sala, caindo em uma área circular, rodeada por uma cisterna. Ao levantar, seu irmão já estava lá, esperando que ele se levantasse e começasse a lutar de verdade.
- Que belo lugar para um fim tão efêmero. Não acha, irmão? - Disse Valna, em tom de deboche.
- De acordo. - Palace então começou a sua "luta final". Estava certamente esperando se matar junto com seu irmão. E sabia muito bem como encerrar essa luta.
Zy havia finalmente recuperado sua preciosa Lorelei. Com seu equipamento e o de Irma recuperados, agora poderiam seguir caminho a uma rota de fuga. Mas algo inesperado veio no caminho. Irma estava ferida, desde o incidente na loja.
A visão da garota começava a ficar turva conforme ela andava. Então, ela gemeu algo que o próprio Zy não entendeu (Algo como "Eu acho que não me sinto bem"), e foi de encontro ao chão, sendo amparada pelo Templário antes que ela colidisse com o solo.
- ...Ah não, Irma, fica acordada! Droga!
Irma começava a cair inconsciente nos braços de Zy. Ele sabia que a garota não estava bem. Estava muito machucada, devido aos golpes que recebeu de Valna, muito mais forte do que ela. Irma ainda não era páreo para Legionários fortes como os Irmãos Atros. Sangue começou a sair de um corte na cabeça.
- Grande, agora ela começou a sangrar. Vamos, Lothar, pense em algo!!! - Após andar um pouco mais por um corredor, o teto se arrebentou na frente de Zy, que saltou pra trás com a garota para não ser esmagado. Era Johan, acompanhado de Kerd e Alma, e aparentemente vieram para um resgate.
- Zy, o que aconteceu com a Irma? - Disse Kerd, olhando assustado para a garota em mau estado.
- Sei que não é lá a hora mais adequada, mas quero fazer uma pergunta antes, como chegaram aqui? - Reagiu Zy, enquanto os três desciam.
- Johan sentiu a sua mana e a do Legionário, então ele nos levou até aqui. - Disse Alma, poupando Johan da explicação. - Se quiser saber, estamos nas proximidades de Glast Heim, não me pergunte como o Ferus arrastou vocês pra cá.
Alma logo foi até Irma e viu a concussão na cabeça, resultado da pancada que havia levado ao ser arremessada na parede dias atrás. - Oh, não. Isso não é bom.
- Podemos cuidar dela assim que chegarmos em Geffen, nós precisamos ir agora. - Reagiu Kerd, chamando as pessoas para fora.
- Kerd, Zy, Alma, vão indo. Eu vou ver o que está rolando com os Irmãos Atros. - Disse Johan, correndo na direção da energia dos Irmãos Atros, ignorando os avisos dos outros. Zy não podia deixar de se preocupar.
- É melhor que o lobão sobreviva. Ir em enterro de cachorro é deprimente.
Zy, Kerd e Alma agora saíam do calabouço e corriam para o hospital em Geffen, enquanto Johan sumia no escuro, correndo em direção ao combate.
O confronto entre Valna e Palace seguia a todo vapor. Os dois trocavam os golpes mais velozes que podiam, considerando a Rapidez Com Duas Mãos, a violência de seus ataques e a velocidade com que lutavam. Vira e mexe, um tentava atacar o outro com um golpe mais violento.
- GARRA DE GALLION! - Valna avançava contra Palace com sua técnica secreta. Palace, porém, defendeu o violento ataque com sua espada e resolveu revidar com um golpe mais forte.
- GOLPE DE TRAGO! - Palace deu um golpe numa velocidade ainda maior que a de Valna, com a lâmina carregada de mana girando e então descendo violentamente contra o irmão. Este, porém, se esquivou, dando brecha para poder respirar.
- Palace, olhe pra você. Tinha tudo. Tinha poder. VOCÊ TINHA A PORCARIA DA VINGANÇA PELA QUAL NÓS PEDÍAMOS! Me diz, PORQUE VOCÊ LARGOU TUDO ISSO? - Exigiu o furioso Valna.
- Você quer saber porque eu larguei tudo na Legião, fera? VOCÊ POR ACASO SE OLHOU NO ESPELHO HOJE? Acha certo usar UMA CRIANÇA para o propósito da Legião? - Respondeu o irmão, com igual voracidade enquanto os golpes se cruzavam.
- Você fala do OVO DE OURO da Legião? Da LEGIONÁRIA PERFEITA? Aquela que você ENTREGOU A CAL RASEN DE MÃO BEIJADA? Você acha que esse seu ATO DEPLORÁVEL possui justificativa? - Respondeu Valna, aumentando cada vez mais sua voz.
- Certamente possui mais justificativa do que LEVAR OS HUMANOS À EXTINÇÃO! - Palace havia mudado. Ele agora sabia o lance de Dimitri Markolevich e Edith Stein. Ele agora sabia quem estava certo ou errado. - Quer saber de uma coisa? Cal simplesmente me fez enxergar uma verdade importante: família não quer dizer NADA se nós JAMAIS pensamos iguais!
- Fantástico. Você realmente se tornou tão deplorável quanto aquele macaco elétrico. - Foi a resposta de Valna ao discurso de Palace. Este, porém, havia mudado o olhar que estava entregando ao irmão. Não era mais ódio ou rancor. Palace simplesmente via seu irmão agora como nada mais do que seu inimigo.
- Quer saber, Valna? Eu já estou cheio de você. Vou arrancar essa sua língua com as minhas próprias mãos! - Os dois então avançaram de novo, com Palace tentando desferir um Impacto de Tyr, porém o golpe foi evitado pelo irmão, que tentou o mesmo golpe, evitado por Palace. O cansaço dos dois era evidente. A luta já havia se estendido por tempo suficiente, demolido todo o local ao redor deles.
Logo, uma espadada acertou muito que de raspão a perna de Valna, e os golpes começaram a encaixar. Os dois trocavam espadadas de maneira extremamente furiosa. Mas a luta começava a mudar o rumo.
- ...Chegamos a isso, finalmente. - Disse Valna, cansado e ferido, olhando para seu irmão como se agora ele não passasse de um verme.
- Você sabia que isso iria acabar de uma forma ou de outra. Me diga, Valna, você está feliz com o resultado? - Respondeu Palace, retribuindo o olhar ao irmão. Porém, este olhar parecia mais relutante. Era esse o acerto de contas que Palace queria? Era óbvio que não. Mas Valna havia nutrido um ódio imenso pelo irmão. Não havia mais volta. Os ideais de Palace custaram a relação entre irmãos. Mas Palace não iria sacrificar suas crenças apenas para manter sua família unida. Ele sabia que se alguém precisasse ser impedido, esse alguém era seu irmão. E só havia um jeito de freá-lo: selando-o.
- Feliz? Eu simplesmente estou ME MASTURBANDO ANTE TODO O RESULTADO DISSO!!! ME MASTURBANDO PARA A IDEIA DA SUA MORTE! - E então Palace assistiu seu irmão tomar uma iniciativa final de combate, que ele entendeu e imitou no mesmo instante.
Valna correu até a piscina e começou a saltar pelos pilares caídos, até encontrar a parede, por onde começou a correr verticalmente, tamanha a velocidade que podia alcançar em forma máxima. Palace fez o mesmo, indo pelo lado oposto. Os dois chegaram ao topo de cada pilar, de espada em mãos, e saltaram com força descomunal, um na direção do outro, derrubando os pilares de onde haviam saltado.
Antes que percebesse, Palace ouviu o som de sua espada atravessando sua carne, conforme os dois se colidiam e iam ao chão. Ao pousarem, de pé, Valna sorriu. Mas aquele sorriso mudou quando ele viu o sangue saindo de sua boca. Palace, por outro lado, emitiu um sorriso fraco, notando a ironia do momento. - Não é mais... tão divertido agora... pra você.
Não era apenas a espada de Palace que o havia atravessado, mas a espada de Valna, nas mãos de Palace, havia acabado de atravessar o corpo de seu dono da mesma maneira. O gosto salgado e ferroso do sangue logo subiu à boca de Valna, quase simultaneamente a Palace. - Des...desgraçado...
- Foi... o único jeito... de acabar essa luta... O que vou fazer agora... será o fim... de tudo! - Palace, com grande esforço, conseguiu arrancar a lâmina do peito de Valna, ao passo que este foi forçado a tirar a espada do corpo de Palace. Muito sangue começou a jorrar. O cenário inteiro se convertia a um vermelho escuro, pastoso. Valna estava ficando sem forças para se manter em pé, mesmo em sua forma máxima.
- Não... Acre...dito... Tudo isso... pra nada... - Valna estava descrente do resultado daquele combate. Estaria ainda mais descrente ao ver o que seu irmão faria agora.
Palace sacou uma pedra amarela do bolso. Então, avançou com a ultima sobra de sua força contra o irmão, pressionando a pedra contra a testa dele. - ...Valna, acredite em... mim... Isso... é pra... nosso... bem... SELAR!
- PALACE, DESGRAÇADO! - A fúria de Valna deu forças para que este grito saísse. O selamento havia se iniciado. Palace e Valna estavam no círculo que selaria as essências de dois Atroces em uma única pedra. Os pensamentos de Palace inundaram sua mente, conforme ele previa sua morte.
- "Sinto muito termos nascido num mundo como esse. Mas garanto que, quando nascermos de novo, seremos irmãos. E eu irei garantir para que nada de ruim possa separar nossa família novamente..."
- MALDITO! EU VOU ACABAR COM A SUA-- - Aquele berro foi a última coisa que Valna pronunciou. A consciência de Valna foi a primeira a sumir. A luz branca tomou a sala, apagando a consciência dos dois. Logo, estariam com suas essências seladas, e suas almas, no Valhalla ou em Niflheim, dependendo da honra que possuíam.
Mas a sorte mudou para Palace. Antes que sua consciência escapasse, ele pôde ver um homem louro se aproximando. E então apagou.
Palace de repente se via num lugar familiar. Parecia Hugel. Era sua mansão, quando era criança. Ele via uma criança correr na direção da mãe. Ele logo viu a si e a seu irmão naquela cena. Mas quando Palace tentou se aproximar, uma pessoa surgiu na frente dele. Não demorou pra que ele reconhecesse aquele homem. Era Cal, e ele tinha uma mensagem a dizer.
- Não chegou sua hora, Palace. Você tem muito a fazer.
- ...Como assim? - Naquele momento, uma luz o cercou, ofuscando sua vista e engolindo tudo ao redor. E tudo ficou preto de novo, até o momento em que ele abriu os olhos. Palace agora estava em uma cama de hospital. Dois dias haviam se passado desde sua luta com o irmão. Ele sentia uma dor descomunal passando por seu corpo. Quando virou a cabeça para o lado, viu Johan sentado, na cadeira próxima.
- Quer saber como não foi dividir a pedrinha com seu irmão?
Palace meneou a cabeça e fechou os olhos por um minuto. Johan prosseguiu.
- Quando eu cheguei, eu vi Cal aparecendo do nada e te puxando da área do selamento. Ele salvou a sua vida, te levou ao Cofee e depois, pro hospital, já que pelo menos seu estômago e intestinos estavam rasgados pelo belo corte que seu irmão te proporcionou. Agradeça à grandiosa tecnologia dos Homúnculos, sem a qual você estaria REALMENTE morto. Ou não, já que Legionários tendem a "reviver" depois de umas horas. Como adendo, eu trouxe a sua espada e a de seu irmão pra cá também. Estamos em Prontera. - Johan então se levantou e começou a caminhar para fora do quarto.
Palace mexeu a cabeça mais uma vez. Mas a pergunta que não calava era se Zy e Irma estavam bem. - Lothar... e Irma... Eles...?
- Irma está bem. Levou um machucado na cabeça, mas vai melhorar. E parece que foi meio surrada enquanto o Zy estava inconsciente. O que irritou muito o Cal. Sobre o Zy, ele saiu praticamente intacto da bagunça. Reclamou do serviço de quarto vagabundo oferecido pelo Valna.
Palace deixou sua tristeza transparecer. Havia acabado de matar seu irmão. Isso era o que tinha de ser feito, mas era mesmo necessário? Foi quando um Cal, aparentemente mais triste e inconformado do que ele, adentrou o quarto.
- Palace, eu preciso te agradecer por ter protegido a Irma e o Zy. Sei que não posso trazer seu irmão de volta. Hm, não tenho muito mais o que dizer. Foi mal pelo que aconteceu. - O Cavaleiro saiu sem dizer mais nenhuma palavra. Palace havia notado o que estava acontecendo. - ...Irma se tornou... bastante importante pra ele...
- Acontece quando uma pessoa se torna uma razão para outra lutar. Cair naquela armadilha e deixar a garota desprotegida passa a sensação de que ele fracassou. - Johan fez uma breve pausa e prosseguiu. - Cal não suporta a sensação do próprio fracasso. Parece que tudo que acontece de ruim a ele o atinge com o triplo da força que atingiria outra pessoa. Olhando pra ele agora, eu me pergunto como ele consegue se levantar de manhã.
Palace ficou em silêncio enquanto Johan finalmente saía do quarto. De um lado, havia a dor de perder o ultimo membro de sua família, de outro, notava que Cal se flagelava diante da incapacidade de proteger aqueles que ama.
No fim das contas, o que era importante para Palace agora? O que havia restado para ele proteger?
Cal saiu pelo corredor, mudo, com a cabeça baixa e o olhar vazio. Era como se simplesmente não houvesse mais nada, como se ele nada mais fosse que um autômato. Então Irma apareceu, com os curativos postos, e tentou falar com Cal.
- Cal! Aonde você vai? - O Cavaleiro não respondeu. Continuou andando. Tinha medo até mesmo de olhar para ela depois do que ela passou. Tinha medo de virar seus olhos e vê-la, com os curativos, depois de ser surrada por seus piores inimigos. Ele sentia vergonha de si mesmo. Irma tentou de novo.
- Cal, não fuja de mim! - O Cavaleiro então parou. Seu punho começou a apertar com uma força então desconhecida, quase como se tentasse explodir a própria mão com sua própria fúria.
Irma já não estava mais aguentando o silêncio dele. A falta de reação. Era assim sempre que algo o abatia. Ele simplesmente se trancava em algo que soava como uma zona de conforto, uma zona de auto-punição. Mas quando fazia isso, ele simplesmente se isolava de tudo e todos. Não era a primeira vez. Mas já estava virando a gota d'água para a menina. E então uma reação inesperada ocorreu. Da parte dele.
- MAS QUE PORCARIA! - O Cavaleiro deu outro soco na parede com toda a força que tinha, usando o punho direito. Fez um buraco na parede dessa vez. Por um instante, deu pra sentir o hospital inteiro tremer com tamanha força. Irma não sabia o que dizer. Ouviu Cal dizendo a si mesmo, em voz baixa.
- Eu falhei com você.
Cal voltou a andar, ignorando as coisas ao redor. Era possível notar que seu punho apertava com força. Chegava a sair sangue do punho dele, tamanha a força que Cal aplicava em si mesmo. Irma começou a tomar o ressentimento de Cal como se fosse o dela, e reagiu, em outro tom de voz.
- Você falhou? Está me dizendo que você falhou? VOCÊ NÃO FALHOU! - As pessoas do hospital se voltaram para a cena, à medida em que Cal parava de andar novamente e virava a cabeça, encarando a garota. - Você não estava lá pra me proteger, e daí? Deixou o Zy e o Palace pra cuidarem de mim, e eles cuidaram!
A garota estava tendo dificuldades para conter suas emoções. Mesmo Cal parecia se sentir cada vez pior à medida que ela falava.
- Nós realmente precisamos dessa cena aqui?
- Se precisamos dessa cena? - A garota reagiu, em um tom ainda mais furioso. - VOCÊ AGE ASSIM SEMPRE QUE AS COISAS SAEM ERRADO! VOCÊ FOGE DAS PESSOAS! FOGE DE TUDO AO SEU REDOR! É CLARO QUE PRECISAMOS DESSA CONVERSA AGORA!
Cal tornou a olhar firmemente para a garota. Não havia mais jeito de reagir a ela daquela forma, quanto menos fugir daquilo. Ela já estava chorando, não havia mais como se controlar.
- ...É assim que pretende viver sua vida? - A questão dela fez com que Cal tremesse naquele momento. Apenas duas pessoas conseguiam fazer sua alma chacoalhar daquele jeito: Irma e Hanna. Foi quando o Cavaleiro automaticamente foi na direção dela e a abraçou.
- Irma, eu não deveria ter te deixado desprotegida aqui... - Disse, tentando confortar a garota em prantos.
- Não foi sua culpa, Cal...
De longe, Johan via a cena e permanecia pensativo.
- "Engraçado. Irma é o mais próximo que Cal tem de uma família agora... É tão irônico que ela seja a única pessoa que ele ouça. Nem mesmo Zy consegue colocar algum bom senso na cabeça dele."
Aquele momento, por algum motivo, fez Johan se lembrar do que deixou pra trás quando decidiu se tornar um assassino. Família, amigos, um lar.
- ...E no fim das contas todos nós queremos pessoas pra chamar de "família" e um lugar pra chamar de "lar". Não é, Cal? - Falou consigo mesmo, enquanto permanecia invisível, olhando os dois abraçados.
OFF